sexta-feira, 6 de julho de 2012

Começar um relacionamento



" A pia está limpa, a louça inteira lavada e o que vê é um cenário perfeito: sem sujeira, pratos, nada.
Começar um relacionamento é como usar a louça novamente e apoiá-la em cima de toda a pia. No começo, há o receio de bagunçar o espaço limpo. Foi tão difícil deixá-lo em ordem. Mas uma hora, tudo inicia-se da mesma forma. Primeiro apoia-se um copo. Depois uma xícara com a borra do café, bem devagar. Usa-se um prato, uma panela e alguns talheres. Na sequência, colheres, facas, garfos e quando se vê encontram-se pegadores de macarrão, de sorvete e espremedores de limão.

Aquela pia ali, limpa, já se faz cheia de coisas. Cheia de vida. Do vinho que acompanhou a massa, das bordas de pizza, dos petiscos que ainda estão doces, das cascas de limão usadas no mousse servido na sobremesa. Uma pilha. De expectativa, de medo, de tanta coisa que – se não der certo – precisará ser lavada novamente. Uma a uma. Até que se apaguem as marcas, a saudade, a falta de algo que já foi.

Os pratos. Resilientes como nós.
Resistentes até quando quebrarem.
Usa-se, lava-se e enxuga-se. No meio disso tudo, ama-se. E acumulam-se histórias por toda a parte, músicas, restaurantes, mensagens, beijos, nós. E os pratos. Que logo estão lá, enchendo a cozinha, lembrando que um dia já foram a melhor versão de nós mesmos. Panelas. Um punhado de metal, tefal e alumínio raspado várias e várias vezes até sair a casca e aparecer o fundo. Até terem toda a sua parte saudável arrancada pela esponja áspera –  que encaminha tudo o que não deu certo pelo ralo. Eu e você. Que já encontramos tantos ‘eu e você’ por aí e que insistimos e persistiremos até sujarmos cada taça, bowl e jarra que surgirem em todo o processo.


No final dessa brincadeira, estaremos lá, de luvas, fazendo espuma com tudo. Escorrendo os copos, as lágrimas, as canecas que um dia já carregaram leite, sucrilhos e sopa. Passando a mão nas beiradas da pia para tirar o excesso de água, de expectativa e memórias. De você.

No dia seguinte, o primeiro copo do dia. O gole do início, uma nova história pronta para começar. Uma repetição que a gente já conhece. Tudo igual. E por que sujar pratos que já foram limpos e curados? Por que amar quando já se foi amado? Detonado, surrado. Cansado.

Talvez, eu penso, porque já fomos felizes, emocionados e todos os adjetivos que nos transformam em buscadores oficiais da repetição. Daquilo que já vivemos. Queremos relembrar. Como é mesmo a sensação de usar pratos novos, limpos? De percorrer um caminho em que pisa-se com cuidado até se chegar no ápice da satisfação e de momentos que, de tão fascinantes, nos fazem esquecer da bagunça que irá se empilhar no dia seguinte. Quero a bagunça.

E é mesmo assim. Curioso.
Um processo exaustivo que – no meio de tanta coisa, eventos, casualidades e pessoas – nos mostra que a gente sempre consegue lavar tudo o quê sobrou e começar de novo.
"

~ uma definição: leve! assim como a grande maioria das outras crônicas, que você pode conferir aqui.

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